segunda-feira, agosto 03, 2015

Pomerol, Canelé, Ariane, Mathieu... A lembrança é como uma doença rara... - Conto



Gostei da brincadeira do conto com trilha sonora.
Talvez seja uma vantagem da internet.
Clique e escute o Caetano enquanto conhece a história.



Ariane e Mathieu seguiam sempre o mesmo ritual.
Uma garrafa de um bom vinho do Pomerol, uma dose de Barsac, acompanhando um Canelé.
Entre tudo isso, dias, meses e anos de um amor colossal.
Talvez mais colossal para Ariane.
Depois de 730 garrafas de Pomerol, 730 doses de Barsac, 730 Canelés e 730 dias juntos, Mathieu se despediu.
Olhou para os olhos de Ariane e disse que o amor já não era forte o suficiente.
Não desviou o olhar, não desviou do assunto, não fugiu de nada.
Essas bobagens de sumir, excluir disso ou daquilo não fazia parte nem do caráter nem da natureza de Mathieu.
Entrou e saiu da relação como um lorde.
Isso doía mais ainda na cabeça de Ariane.
Nem amaldiçoar o pobre ela podia...
Poder podia, mas não se sentiria à vontade.
Os dias seguiram e o tanto de vinhos da mesma região ficavam guardados como se fossem lembrança de um defunto.
Nada de mexer naquele canto.
Canelé era um nome proibido.
Barsac era palavrão.
O pior é que quando se foge de alguma coisa, ela parece que persegue.
Ariane morava em Saint-Émilion, poucos quilômetros do Pomerol.
Cada almoço, cada wine bar, cada café no final de tarde encontrava uma garrafa de Pomerol e tudo vinha de novo.
As lembranças são como uma doença rara.
Ninguém sabe explicar, ninguém sabe se livrar delas...
Depois de quase um mes sem Mathieu, conheceu Gilbert.
Era um cara alto, magro, falastrão...
Bonito.
Entraram no restaurante para o que seria o primeiro de muitos jantares.
Veio a carta de vinhos e...
Bingo.
Pomerol.
Veio uma dor de cabeça, que Ariane não conseguia levantar os olhos.
Era enchaqueca.
Nem deu tempo dele pedir Barsac ou Canelé.
Nem sei se ele pediria isso.
Nem Ariane ficou sabendo.
Foi embora como um foguete.
Claro que Gilbert nunca mais apareceu.
No dia seguinte ela pediu que uma amiga retirasse de sua casa todas as garrafas que tivessem escrito: Pomerol...
Que pena!!!
Duas semanas depois, debaixo de uma chuva terrível, o carro de Ariane derrapou numa curva e bateu justamente na placa: Pomerol...
Aiaiaiai...
Era preciso uma manobra para voltar ao caminho.
Urgente.
Pegou o telefone e ligou sem pensar.
-Alô
-Me deixe viver Mathieu.
Você fez tudo certo.
Nada a reclamar.
Mas quero meu Pomerol de volta.
Quero meu Barsac.
Quero meu Canelé.
Em 15 minutos Mathieu batia na porta.
Entrou com uma garrafa de Château Petrus.
Levou um Barsac e uma caixa de Canelé.
Disse que estava reparando seu maior erro.
No dia seguinte a amiga trouxe todas as garrafas de volta.
A lembrança conseguiu o que queria, mas perdeu para a realidade.




PS: Pomerol é uma denominação de origem de Bordeaux (uma das mais importantes), Barsac é uma denominação de origem que produz vinhos doces, também em Bordeaux e Canelé é esse doce típico também de Bordeaux.
Château Petrus, é um dos vinhos mais caros do mundo, e é produzido no Pomerol.



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