quarta-feira, fevereiro 12, 2014

O Anfíbio de Miami Conhecia Vinhos como Ninguém! E Água Também! (Conto)


Em meados da década de 80 South Beach já era um sucesso. 
Sentar naquela praia e ver o mar azul claro era e continua sendo uma terapia. Naquela manhã vi um velho caminhando com dificuldade, deixou suas coisas na areia e caminhou em passos bem lentos até o mar. 
Confesso que fiquei apreensivo!
Mal a água atingiu sua cintura e já mergulhou, deu as primeiras braçadas e seguiu nadando até onde não haviam mais ondas.
Fiquei em estado de alerta. 
A qualquer momento chamaria o salva vidas ou até tentaria um ato heróico.
Mas ele e o mar eram velhos conhecidos. 
Cada braçada lenta levava o velho mais longe e percebi que eu estava aprendendo com aquilo. 
Foram 30 minutos de braçadas calmas, perfeitas, intermitentes.
Quando saiu do mar a dificuldade voltou. 
Fui surpreendido dessa vez pela emoção!
Caminhou até suas coisas, tirou a sunga sem nenhum pudor, se enxugou, colocou um short e uma camiseta e seguiu em direção a Ocean Drive.
Eu também segui meu caminho até o News Café. 
Pedi um fettuccine com salmão, uma taça de vinho branco da Califórnia e percebi o velho chegando.
A única mesa disponível era ao lado da minha. 
Ele se sentou e não pediu nada. 
O garçon já sabia: uma meia garrafa de vinho italiano, uma caesar salad e água.
Não resisti e puxei conversa: - O senhor nada todos os dias?
-Desde os 10 anos, faz 80!
-Meu Deus!
-Não há nenhum esforço nisso, participei de maratonas aquáticas, jogos olímpicos e grandes travessias, na água e na vida!Infelizmente há 10 anos fui atropelado e minhas pernas já não acompanham meus braços. Na água me sinto forte, livre, rápido, ágil!
-E o vinho? perguntei.
-Ah isso veio antes da natação. Meu pai colocou um dedo mergulhado no vinho direto na minha boca no dia em que fui batizado na Itália. Família de agricultores, fazíamos Barolos fantásticos!
Nessa altura éramos amigos, falávamos em italiano e percebi que Pietro conhecia todos os vinhos possíveis, sem nenhum preconceito de país, cor de uva ou tipo de vinho. Era um expert!
A noite jantamos com nossas mulheres no mesmo News Café. Lugar de jovens, modelos, fotógrafos e artistas. Nenhum tão jovem como Pietro!
Saí de lá com a ideia de que somos anfíbios, basta querer!
Lembrei do poema do alagoano Jorge de Lima:
A água é falsa, a água é boa.
Nada, nadador!
A água é mansa, a água é doida,
aqui é fria, ali é morna,
a água e fêmea.
Nada, nadador!
A água sobe, a água desce,
a água é mansa, a água é doida.
Nada, nadador!
A água te lambe, a água te abraça
a água te leva, a água te mata.
Nada, nadador!
Senão, que restara de ti, nadador?
Nada, nadador.

Jorge de Lima

Sobre Filmes Brancos e Tintos - Surpresas do Coração (French Kiss) - Por Wania Westphal



Como imaginar alguém passar um dia que seja em Paris e não ver a Torre Eiffel?  Lawrence Kasdan e Adam Brooks conseguiram não apenas conceber essa ideia como escrever e filmar. Essa é uma entre tantas outras situações tão bem humoradas e charmosas quanto o resultado final de Surpresas do Coração, título original French Kiss, um filme que exala os possivelmente mais (encantadores?) bouquets de Auvergne .



O longa, de 1995, é uma daquelas comédias românticas  deliciosas para quem aprecia o jeito Meg Ryan de atuar. Assim "meio mulher meio menina" como o andar da protagonista Kate é definido pela personagem do vigarista Luc Teyssier, o quarentão francês interpretado por Kevin Kline. 
Falando nele, esqueça do falastrão de Um Peixe Chamado Wanda, releve o emborrachado Cole Porter de De-Lovely, delete o  pistoleiro em roupas de baixo de Silverado - faroeste em que o ator também fez parceria com o diretor Lawrence Kasdan, dez anos antes de ambos seguirem para o Sul da França, onde foi rodada a maior parte de French Kiss.


O Luc Teyssier de Kevin Kline é um homem que mesmo sem muito cuidado com a própria aparência (quase sempre meio 'seboso', de barba mal feita, cabelo desgrenhado) é atraente, quase irresistível - a despeito das picaretagens que apronta antes e durante os dias que passa com a professora de história Kate.
Ela, pobrezinha, faz quase tudo para realizar o sonho de ser a esposa do médico canadense Charlie (personagem de Timothy Hutton). Menos embarcar com o noivo numa viagem a Paris, por causa de uma aparentemente insuperável fobia de avião, e é aí que a coisa pega. 
Sozinho na capital francesa, Charlie apaixona-se perdidamente pela déesse Juliette (a deusa Susan Anbeh) e, por telefone, termina a relação com Kate. Disposta a reconquistar seu amor, a loirinha encara o pavor de avião embarca de Toronto a Paris, no voo de sete horas e tanto em que conhece o vigarista Luc.



A primeira referência ao vinho aparece quando são passados vinte minutos de filme e um Luc meio assustado, no banheiro do avião, desembrulha a pequena videira que trazia escondia junto ao peito. 
Ele fala com a plantinha docemente, poucas palavras, joga água da pia em sua raiz e volta a guardá-la envolvida por um colar de diamantes roubado que trazia de uma loja Cartier da América.
Como não queria ser pego e previa ser revistado pelos agentes do aeroporto francês, e sem que Kate percebesse, Luc esconde a videira e o colar na bolsa da moça de aparência certinha, que dificilmente  teria problemas na alfândega. 
A partir de então, passa a acompanhar Kate - e sua videira e seu colar - pelo resto da história. 
São diversas situações descontraídas, ainda que tolas, mas quem precisa de veracidade nas ruas e vielas de Paris? Nem na Côte D'Azur, onde as personagens se encontram na sequência do filme.
Ainda na capital, depois de saber o motivo para Luc ter sido tão solícito, Kate furiosa reclama: "Você escondeu uma planta na minha bolsa!" ao que ele responde, indignado: "Isso não é uma planta, isso é uma videira!"



No caminho de trem até a Cote D'Azur, fazem uma parada na estação de La Ravelle,  Puy-de-Dome, em que Luc nasceu e onde estão os vinhedos que pertencem à família dele há três gerações. 
Ao mostrar a propriedade para Kate, Luc explica que para se produzir um bom vinho é preciso ter algo de apostador. Num outro momento, ele mostra seu projeto de infância: uma caixa de madeira com diversas garrafinhas de vidro repletas de variadas ervas, frutos, sementes, os cheiros da região e demonstra , numa experiência delicadamente sedutora (com uma luz belíssima) como diversos ingredientes podem alterar não só o sabor como a personalidade de um vinho.
Mais tarde, leva Kate a um vinhedo completamente abandonado, e explica que ali, com aquela pequena videira americana, pretende fazer "um mix" e criar algo novo, naquela terra que passou anos descansando...



A trilha sonora, assinada por James Newton Howard (de O Fugitivo, O Sexto Sentido, Batman Begins e Sinais, entre outras) contempla tantos clássicos da música francesa quanto uma balada italiana e um surpreendente Van Morrinson quando a ficha técnica chega perto do fim. Por sinal, não desligue antes de ouvir Kevin Kline em sua versão para La Mer, de Charles Trenet.


Sim, eu parei de contar a história do filme. Há ainda outras referências, paisagens e passagens ilustradas direta ou indiretamente pelo vinho, uvas, vinhedos, taças de branco. Mas eu seria uma estraga prazeres se escrevesse tudo aqui.
Melhor ir sem pressa, aos pouquinhos, mas sempre com uma história que possa despertar o interesse dos iniciantes ou cativar ainda mais amantes dessa bebida,  como você, como eu.
A gente se encontra dia desses, diante da tela.

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Wania Maria Westphal não queria mudar o mundo quando concluiu o curso se Jornalismo, em 1987. Conseguiu, sim, o que desejava: trabalhar com esportes, 25 anos, com algumas passagens pelo noticiário geral, comportamento, até economia. Por causa de um grande amor, se interessou pelo vinho e juntou ao tema a outra paixão: o cinema. Assim passa a bater alguns papos com você, a partir de agora

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