quarta-feira, novembro 04, 2015

Na vertical do Stag's Leap S.L.V. (Napa Valley), a inevitável lembrança do Julgamento de Paris



1976 não vai sair nunca da história da vinícola Stag's Leap, da história do vinho americano, da história do vinho do novo mundo e porque não dizer, da história do vinho mundial
Tudo era tão confortável para os produtores franceses...
Até que o jornalista inglês Steven Spurrier, resolveu juntar numa degustação às cegas, vinhos da Califórnia com vinhos franceses.
*O famoso Julgamento de paris.
Quando o Stag's Leap 1973 derrotou vinhos grandes e consagrados, o chão parecia sumir dos pés da indústria de vinhos de Bordeaux.
E não foi só o Stag's Leap, a surpresa foi maior.
O Chateau Montelena Chardonnay deu um baile entre os brancos.
Daí pra frente o respeito aos vinhos de fora da europa cresceu e todo mundo colocou as barbas de molho.


No último sábado, tive a oportunidade de provar 5 safras do grande Stag's Leap, ainda em comemoração aos 10 anos da Revista ADEGA.
Todos de Cabernet Sauvignon.


A prova começou com o 2011 S.L.V. (nome do vinhedo).
Era o vinho mais jovem da prova, mas...
O representante da vinícola explicou que o vinho era de uma safra difícil, de baixa produção.
Ah se todos tivessem um vinho de safra difícil assim...
Tinha boa intensidade aromática.
Notas de frutas vermelhas, chá preto, chocolate, doce de amendoim...
Na boca tem corpo médio, muito elegante.
Taninos com textura macia, acidez suficiente para deixar o vinho fresco e dar vontade de beber mais alguns goles.
Equilibrado, com boa intensidade de sabor.
Notas de frutas vermelhas, chocolate, doce de banana...
Final longo.
Um vinho pronto pra beber, mas deve envelhecer muito bem pelos próximos 10 anos.
Nota: 89



O S.L.V. 2010 seguiu a mesma linha.
Um pouco mais fechado no nariz.
Notas de groselha, banana, baunilha...
Na boca corpo médio, taninos macios, textura aveludada, grãos finos...
Vinho com boa acidez e intensidade de sabor.
Incrível como um vinho que passou 20 meses em barricas de carvalho francês (84% do vinho carvalho novo), não tenha predominância de madeira.
O vinho guarda bem a fruta.
Tem boa persistência.
Vinho jovem, mas pronto. Deve melhorar pelos próximos 10 anos.
Nota: 90



Veio o S.L.V. 2009.
Lembrei de um comercial de TV, o rótulo continua o mesmo, mas o vinho...
Quanta diferença.
Não significa bom ou ruim.
Significa diferente.
Aí lembrei da safra não tão boa dos dois anos anteriores, mas o representante da vinícola veio com outro detalhe.
A vinícola mudou de enólogo e certamente ele colocou a personalidade dele no estilo do vinho.
No nariz o vinho estava ainda fechado, mas mostrava notas de cassis, pimentão, caixa de charuto e um toque salgado.
Na boca mais potência, mais corpo, taninos mais presentes, embora macios e elegantes.
Aromas mais intensos de frutas vermelhas e negras, notas florais e café. Persistência longa.
Belíssimo vinho!
Nota: 92



O S.L.V. 2008 seguiu o mesmo caminho.
No nariz cereja, ameixa, groselha, alcaçuz, erva doce, caramelo e de novo o doce de banana com baunilha.
Na boca, corpo, potência, volume...
20 meses em barricas novas de carvalho francês.
Taninos com textura macia.
Vinho suculento, com boa acidez.
Sabor intenso.
Mirtilo, baunilha, chocolate...
Persistência longa.
Nota: 92



Passamos para o Cask 23 2010, que é outro vinho (mais caro por sinal), com uvas Cabernet Sauvignon de 2 vinhedos diferentes.
O Vinhedo SLV e o FAY.
No nariz estava um pouco fechado.
Vinho bem jovem e complexo.
Visivelmente um patamar acima.
Notas de cereja, cassis, menta, grafite e violeta.
Na boca é encorpado, tem volume (e pela safra é o enólogo novo. Ponto pra ele), taninos sedosos e juventude.
É o tipo de vinho pra guardar tranquilamente.
10, 15 anos sem decepção.
Sabor de frutas vermelhas, mentolado, chocolate e banana.
Passou 20 meses em barricas de carvalho francês (90% novas).
Persistente.
Nota: 94/100




*Resultado do Julgamento de paris:
TINTOS
Stag's Leap  Wine Cellars 1973 (EUA) - 127.5  
Château Mouton Rothschild 1970 (FRA) - 126
Château Haut-Brion 1970 (FRA)  -  125.5
Château Montrose 1970 (FRA)  -  122
Ridge Vineyards Monte Bello 1971 (EUA) - 105.5 
Château Léoville-Las-Cases 1971 (FRA)- 97  
Mayacamas Vineyards 1971 (EUA)  -  89.5
Clos Du Val Winery 1972 (EUA)  - 87.5
Heitz Cellars Martha's Vineyards 1970 (EUA)  -  84.5
Freemark Abbey Winery 1969 (EUA)  -  78
BRANCOS
Chateau Montelena 1973  (EUA) - 132  
Meursault Charmes Roulot 1973 (FRA) - 126.5  
Chalone Vineyard  1974 (EUA)- 121  
Spring Mountain 1973  (EUA) - 104  
Beaune Clos des Mouches Joseph Drouhin   1973 (FR) - 101  
Freemark Abbey Winery 1972   (EUA) - 100  
Bâtard-MontracheRamonet-Prudhon 1973 (FRA) - 94 
Puligny-Montrachet Les Pucelles Domaine LeFlaive 1972 (FRA) - 89 
Veedercrest Vineyards 1972 (EUA) - 88 
David Bruce Winery 1973 (EUA) - 42


O dia que a história venceu a lei...


Marcel vivia fazendo o caminho Saint-Émilion/Bordeaux, Saint-Émilion/Paris e diversos caminhos que levassem os vinhos cheios de história até os pontos de venda.
Viajava com seu carro com responsabilidade, mas desrespeitando a lei, já que beber (mesmo cuspindo sempre) e dirigir é crime.
Entre o crime e a necessidade vivia Marcel.
Entre as duas coisas estava sempre a responsabilidade.
Cuspia cada dose, se a viagem fosse longa parava sempre que batia o cansaço.
Não corria, não exagerava, não tinha pressa e até era gentil no trânsito.
Mas o que fazer se o trabalho é mostrar os vinhos para compradores e quase sempre abrir uma garrafa para prova...
Um dia começou a trabalhar para um produtor famoso.
Foi até a propriedade e provou várias safras.
Era na verdade uma vertical de 5 safras.
A história do produtor era conhecida entre os amantes do vinho.
A prova foi fantástica, mas mesmo assim Marcel cuspiu cada dose.
Bem que teve vontade de beber, mas a responsabilidade era intocável.
Saiu de Saint-Émilion já era noite.
Já bem perto de Bordeaux a surpresa...
Documentos, revista no carro, garrafas de vinho, bafômetro.
Marcel explicou para o sério Monsieur Beaumont que havia sim provado vinhos, mas que não engoliu nem uma gota de álcool.
Monsieur Beaumont, que era um policial perto da aposentadoria, com uma história de bons serviços prestados, ouviu com atenção, mas nem pensava em aliviar nada.
Marcel estava tão empolgado com a prova, que começou a contar a história do produtor que ele havia visitado.
Contou que o produtor era conhecido nos quatro cantos do mundo, que entrou na vida de produtor de vinhos sem nenhuma pretensão.
Que era um bancário, que queria apenas mudar de vida.
Contou que comprou uns vinhedos que estavam com bom preço, que começou a fazer poucas garrafas em sua própria garagem...
Monsieur Beaumont escutava com os olhos arregalados.
Vez ou outra fazia um barulho ou um tipo: uhhh lala...
Marcel continuou.
Falou do preconceito dos outros produtores em relação ao forasteiro.
Falou que debochavam do cara que fazia vinhos na garagem.
Nesse momento Monsieu Beaumont ouvia como quem estivesse na cozinha da própria casa.
Olhava atento.
E sonhava.
Gostava do que estava ouvindo.
Marcel pegou o tablet e mostrou fotos.
Mostrou que o produtor virou um caso de sucesso.
Monsieur Beaumont já imaginava sua volta para o Languedoc e um futuro nas revistas do mundo todo.
Mostrou que a garagem passou de ofensa a marketing sem que o produtor tivesse planejado.
Nesse momento Monsieur Beaumont já nem lembrava como a história tinha começado.
Só pensava em pegar a aposentadoria e fazer o mesmo na terra natal.
Se sentia mesmo na cozinha de casa, numa conversa pra lá de interessante.
A conversa terminou e Monsieur Beaumont agradeceu pela história.
Disse que serviu como impulso ao que sempre sonhou.
Os dois se abraçaram como velhos amigos.
-Tenho certeza de que não está bêbado. Sei que está apto a dirigir para onde quiser. Uma história bem contada faz milagres.
Além disso, não me parece nenhum Bad Boy...
À bientôt...
-Merci...merci...
-Eu que agradeço.
Logo vai andar com meus vinhos em seu porta-malas...


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