quarta-feira, novembro 04, 2015
O dia que a história venceu a lei...
Marcel vivia fazendo o caminho Saint-Émilion/Bordeaux, Saint-Émilion/Paris e diversos caminhos que levassem os vinhos cheios de história até os pontos de venda.
Viajava com seu carro com responsabilidade, mas desrespeitando a lei, já que beber (mesmo cuspindo sempre) e dirigir é crime.
Entre o crime e a necessidade vivia Marcel.
Entre as duas coisas estava sempre a responsabilidade.
Cuspia cada dose, se a viagem fosse longa parava sempre que batia o cansaço.
Não corria, não exagerava, não tinha pressa e até era gentil no trânsito.
Mas o que fazer se o trabalho é mostrar os vinhos para compradores e quase sempre abrir uma garrafa para prova...
Um dia começou a trabalhar para um produtor famoso.
Foi até a propriedade e provou várias safras.
Era na verdade uma vertical de 5 safras.
A história do produtor era conhecida entre os amantes do vinho.
A prova foi fantástica, mas mesmo assim Marcel cuspiu cada dose.
Bem que teve vontade de beber, mas a responsabilidade era intocável.
Saiu de Saint-Émilion já era noite.
Já bem perto de Bordeaux a surpresa...
Documentos, revista no carro, garrafas de vinho, bafômetro.
Marcel explicou para o sério Monsieur Beaumont que havia sim provado vinhos, mas que não engoliu nem uma gota de álcool.
Monsieur Beaumont, que era um policial perto da aposentadoria, com uma história de bons serviços prestados, ouviu com atenção, mas nem pensava em aliviar nada.
Marcel estava tão empolgado com a prova, que começou a contar a história do produtor que ele havia visitado.
Contou que o produtor era conhecido nos quatro cantos do mundo, que entrou na vida de produtor de vinhos sem nenhuma pretensão.
Que era um bancário, que queria apenas mudar de vida.
Contou que comprou uns vinhedos que estavam com bom preço, que começou a fazer poucas garrafas em sua própria garagem...
Monsieur Beaumont escutava com os olhos arregalados.
Vez ou outra fazia um barulho ou um tipo: uhhh lala...
Marcel continuou.
Falou do preconceito dos outros produtores em relação ao forasteiro.
Falou que debochavam do cara que fazia vinhos na garagem.
Nesse momento Monsieu Beaumont ouvia como quem estivesse na cozinha da própria casa.
Olhava atento.
E sonhava.
Gostava do que estava ouvindo.
Marcel pegou o tablet e mostrou fotos.
Mostrou que o produtor virou um caso de sucesso.
Monsieur Beaumont já imaginava sua volta para o Languedoc e um futuro nas revistas do mundo todo.
Mostrou que a garagem passou de ofensa a marketing sem que o produtor tivesse planejado.
Nesse momento Monsieur Beaumont já nem lembrava como a história tinha começado.
Só pensava em pegar a aposentadoria e fazer o mesmo na terra natal.
Se sentia mesmo na cozinha de casa, numa conversa pra lá de interessante.
A conversa terminou e Monsieur Beaumont agradeceu pela história.
Disse que serviu como impulso ao que sempre sonhou.
Os dois se abraçaram como velhos amigos.
-Tenho certeza de que não está bêbado. Sei que está apto a dirigir para onde quiser. Uma história bem contada faz milagres.
Além disso, não me parece nenhum Bad Boy...
À bientôt...
-Merci...merci...
-Eu que agradeço.
Logo vai andar com meus vinhos em seu porta-malas...
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