As primeiras bebidas elaboradas com grãos fermentados, que podemos chamar de cervejas primitivas, eram guardadas em recipientes de barro, como ânforas. A madeira veio bem depois, com os povos celtas, por volta do século III a.C. Por mais de dois mil anos, a cerveja foi armazenada e transportada exclusivamente em barris de madeira.
A partir da década de 1960, foram substituídos por versões em alumínio, mais leves, resistentes e de fácil higienização. Em todo o mundo, grandes corporações cervejeiras já despejavam bilhões de litros de uma bebida quase sempre clara e refrescante, elaborada para agradar a todos os paladares.
As vendas batiam recordes e novos mercados importantes foram surgindo, como o chinês. A parcela de descontentes com os produtos disponíveis, embora minoritária, também crescia, principalmente no Reino Unido e EUA, onde as pequenas cervejarias artesanais perdiam espaço para a grande indústria.
Foi a partir do final dos anos 1970 que o movimento da cerveja artesanal, ou craft beer, ganhou fôlego. Hoje, são cerca de 2.400 pequenas e médias cervejarias nos EUA. Com isso, antigas técnicas foram resgatadas e novos processos envolvendo o uso de madeira são cada vez mais aprimorados.
Os aromas e sabores que a madeira agrega à cerveja dependem de inúmeros fatores, como o estilo da cerveja, o tipo de madeira, aspectos da tanoaria como intensidade da queima e capacidade do barril, tempo de maturação e, claro, se o barril foi antes empregado para armazenar outra bebida. Nos EUA, é muito comum o uso de barris de bourbon. No Reino Unido, a preferência recai sobre os barris de whisky. Este procedimento incorpora novos elementos e maior complexidade à cerveja.
O uso de barris novos influencia bastante o conjunto sensorial de uma cerveja. Quanto maior o tempo e o número de utilizações, menor será esta influência, até desaparecer por completo. Hoje, a madeira é usada apenas na maturação, ou seja, somente cervejas prontas são ali acondicionadas, salvo alguns estilos bastante específicos. A madeira mais utilizada ainda é o carvalho. No Brasil, a amburana vem ganhando espaço, além de barris antes empregados para a produção de cachaça.
A madeira é porosa e permite a entrada do oxigênio e, assim, associa aromas provenientes da oxidação como frutas passas, ameixa, banana, frutas vermelhas, entre outros. Também contém microrganismos que incorporam à cerveja aromas mais rústicos, lembrando couro, estábulo, mofo e incrementando a acidez da bebida. Nem todos os estilos de cerveja aceitam tais características, o que faz deste uso um belo desafio para os mestres cervejeiros.
Importante: a complexidade de aromas e sabores destas cervejas e somente a temperaturas um pouco mais elevadas, acima de 70 C.
Alguns rótulos
Há diversos rótulos de cerveja que utilizam madeira no processo produtivo e na maturação.
Conheça três deles.
Wäls Petroleum – Brasil
Cerveja forte e encorpada, de alta fermentação, no estilo Russian Imperial Stout, e 12% de álcool. Produzida com diversos tipos de grãos escuros e maturada com cacau torrado, apresenta aromas de chocolate belga, café, toffee e caramelo.
Way Beer Amburana Lager – Brasil
Baseada no estilo Vienna Lager, de baixa fermentação, porém mais escuro e potente, com 8,4% de álcool. Notas de malte tostado, madeira, conhaque e frutas escuras, um conjunto complexo e elegante.
Ola Dubh Special Reserve 12 – Escócia
Resultado de uma parceria entre a cervejaria Harviestoun e a destilaria Highland Park, produtora de um dos single malts mais respeitados do mundo. Com 8% de álcool, é de alta fermentação, no estilo Old Ale, com aroma e sabor de amêndoas, uísque, defumado. Licorosa e rica em sabores, para ser apreciada lentamente.
*Alessandro Pinesso é sommelier de cervejas formado pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS) e Association de la Sommellerie Internacionale e Mestre em Estilos Cervejeiros pelo Instituto da Cerveja Brasil, associado ao Brewers Association dos EUA. E-mail: pinesso@gmail.com