terça-feira, março 05, 2013

New York, Richard, Mark, Karine e o Vinho do Porto...


Naquele dia a cabeça de Mark estava estourando.
Tudo que podia dar errado, deu na noite anterior.
Mas os clientes não esperam, cliente tem sempre razão.
Isso já é assim no Brasil, imagina em Nova York.
O restaurante que ele visitaria era o mais importante vendedor de vinhos de Nova York.
Espera aí, se era o mais importante de Nova York, podemos dizer, sem medo, que era o mais importante do mundo.
Será? Acho que sim.
Comprava verdadeiras fortunas, tinha um giro enorme e um comprador que era um terror.
Até rimou. Não foi intencional.
Quando já se aproximava da Rua 45, o telefone tocou.
Viu que era o número de Karine, quando atendia, a ligação caía.
Sim, lá é mais difícil, mas também cai.
O horário marcado se aproximava e lá estava ele com o celular tentando retornar a ligação.
Em vão.
Entrou e o velho Richard o recebeu como sempre recebia qualquer cliente: estupidamente.
Ele se sentou, pegou duas garrafas e começou a abrir.
Richard olhava pra outra coisa, prestava sua concorrida atenção no noticiário esportivo, enquanto a rolha espocava.
Embora fosse um imbecil em quase todos os quesitos, Richard conhecia vinhos como poucos.
Nesse momento Mark enchia a taça e pensava: "esse cara podia me dispensar logo, já que não presta atenção em nada..."
Richard levantou os olhos, olhou por cima dos óculos, viu com atenção a cor do vinho, levou ao nariz...
Mexeu a taça e levou ao nariz de novo...
Colocou na boca.
Cuspiu.
A cabeça de Mark explodia.
Estava mais preocupado que juiz antes de final de Copa do Mundo.
Não com os vinhos, tinha clientes que garantiam sua vida tranquila de trabalhador nova-iorquino.
Abriu a segunda garrafa enquanto Richard fazia anotações.
Colocou o vinho na segunda taça e acompanhou novamente o ritual que estava acostumado havia mais de 15 anos, quando resolveu deixar de vender gravatas, meias e cuecas para vender vinhos.
Olhava para o celular esperando um telefonema de Karine.
Richard já fazia as anotações sobre o segundo vinho.
Enquanto guardava as taças, sem falar nenhuma palavra, Richard resmungou: -Gostei muito.
-Que bom, vai comprar os vinhos?
-Disso falamos já, o que realmente gostei é da sua postura. Sabe que tem um super vinho nas mãos e nem olha pra minha cara, não insiste, não tenta vender, gostei disso.
Pasmo, Mark não sabia se ria ou se chorava.
Richard chamou o assistente, que começou a fazer perguntas enquanto ele se retirava sem nem se despedir.
Mark queria mesmo ir embora daquele lugar.
Karine pode ter ligado pela última vez.
Mais 15 minutos e lá foi ele.
Atravessou a ilha de Manhattan e subiu rápido as escadas.
Procurou as chaves da casa de Karine, abriu a porta e viu a sala vazia.
Nenhum bilhete em cima da mesa, já que nem mesa tinha mais.
Desesperado, apertava as teclas do telefone como se estivesse num velho telégrafo.
Karine não atendia.
Foram mais de 100 ligações.
Desceu desesperado, sem ninguém para desabafar e parou no primeiro bar que encontrou.
Pediu um vinho do Porto.
Ao lado percebeu a barba branca do velho Richard.
No começo nem ousou olhar, já que estragar a venda para aquele velho xucro seria demissão na certa.
Mas, o próprio Richard tomou a iniciativa: Hi... Hi...
Daí para a conversa duradoura bastou algumas taças de Porto e Madeira.
Quase bêbados, ainda na moleza que antecede o porre, os dois contaram de suas vidas.
Richard tinha sido deixado pela mulher havia 12 anos.
Nunca esqueceu daquela irlandesa doce, que deixou Richard por causa de ciúmes.
Contou que Kelly nunca mais atendeu o telefone e deixou cartas, e-mails e mensagens sem nenhuma resposta.
Mark parecia que estava vendo o futuro.
Richard continuava apavorando o novo amigo, dizendo coisas como: -Se ela não te atende o telefone é porque nunca te amou. Sempre se atende alguém que tenha tido alguma importância para nossa vida.
Já passava das 3 da manhã quando o telefone tocou.
Richard disse: -não atenda!!!
Mark disse: -Atendo sim!
Começou um puxa pra lá e pra cá, que o telefone sobreviveu por teimosia.
Mark conseguiu apertar o botão e ouviu: I love you so much, Mark!!!
Richard puxou com força e o telefone caiu.
Mark não pensou duas vezes.
Fechou o punho e soltou a direita: Pow...!@#$%
Recolocou a bateria, ligou para Karine e foi ao encontro dela.
Mesmo depois do soco, o pedido de vinhos  foi mantido e Richard até convidou os pombinhos para um jantar no melhor restaurante de Nova York.
O vinho?
Richard achou melhor Mark não beber...

Nenhum comentário:

Carta Aberta da Vinícola Aurora

Carta aberta da Vinícola Aurora à sociedade brasileira   No início do século passado, algumas famílias italianas cruzaram o Atlântico à pr...