quinta-feira, janeiro 14, 2016

28 anos depois a vida continuou... Com o Marques de Riscal 1988 - Conto




Era um restaurante pequeno, daqueles com um estilo que só o Rio de Janeiro tem.
Se bem que os peixes na vitrine tinham algo de ibérico que funcionava muito bem.
O clima era esse quando um jovem senhor entrou com uma mala preta, pequena.
Perguntou logo para o garçom se podia se sentar naquela mesa.
Sentou justamente na mesa ao lado da minha.
Eu, sozinho prestava atenção em tudo.
É incrível como a solidão, mesmo que momentânea, aguça a curiosidade.
É como o cego que tem um nariz e um ouvido incrível.
O solitário tem uma percepção assustadora.
Ele parecia esperar alguém com uma ansiedade que atravessava os limites do seu corpo.
Olhava o relógio, é claro.
Nem água pediu.
Depois de 3 ou 4 olhadas no relógio ela chegou.
Tinha quase a mesma idade que ele.
Ele de cabelos brancos, corpo franzino, olhar amigável e sorriso simpático.
Parecia bonito por dentro.
Por fora era magro, estava em forma, não era de se jogar fora.
Ela era um pouco mais jovem.
Talvez, no máximo, 5 anos mais jovem.
Mas sabe como são as mulheres...
Ela tinha o corpo de um a mulher de 50 anos, mas cabelos brancos não tinha.
Rugas, nem pensar.
Pra que existem tantos cremes.
O abraço foi longo.
Talvez como a espera.
Ela tinha uns quilinhos a mais, mas poucos.
O rosto sim era um pouco bochechudo.
Ele não via nada disso.
Pela expressão no rosto, ele via a Garota de Ipanema.
Embora estivéssemos no Leme.
Meus ouvidos se aguçaram como se eu fosse ganhar sozinho na Mega Sena se descobrisse algo.
Não foi preciso.
Ela tinha o tom de voz alto.
Facilitou tudo.
-Você esta muito bem.
Ele respondeu prontamente: "definitivamente o tempo não passou pra você..."
O garçom, já um senhor apareceu para cortar a troca de elogios.
-Ja querem escolher?
Ela não escondia nada: "Faz 28 anos que nos despedimos neste lugar, estamos nos reencontrando aqui. Quero o mesmo prato que pedimos naquele dia.
-O que pediram?
Ele respondeu: lula.
-Não... Disse ela.
-Era polvo. Qual prato de polvo vocês têm?
O garçom se permitiu a uma observação: "Estou aqui a 35 anos. O polvo é o mesmo. Acho que me lembro vagamente de vocês.
Na verdade me lembro bem.
Teve uma tarde em que dois clientes saíram daqui aos prantos porque a moça teria resolvido se casar.
Naquela noite não consegui dormir com aquele pensamento.
Lembrava do rosto do rapaz com as lágrimas que não paravam de correr.
Lembrava da forma como ele disse quase sem voz: Te espero pela eternidade..."
Neste momento quase não me aguentava, e cheguei a virar a cadeira.
Vi o rosto dos dois com atenção e olhos fixos para o garçom.
As lágrimas corriam dos olhos dele, dela, meus....
O garçom seguia firme.
Terminou a história dizendo que se fosse eles teria ganho o dia, o mes, os anos que passou lembrando daquela despedida.
Ela não media palavras: "Era eu... Me casei... Separei... Sofri... Estamos nos reencontrando depois de 28 anos...
Queremos o mesmo prato, o mesmo vinho, começar de onde paramos..."
Veio o polvo com um molho de tomate, e o jovem senhor tirou da mala (que também tinha roupas) um Marques de Riscal 1988.
Os dois seguiram sem palavras...
Eu precisava ir embora mas esperei até ouvir o suficiente.
-Te amo, sempre te amei e sempre vou te amar...
Ela ouviu e deixou que as lágrimas corressem, enxugou um pouco, deu um longo beijo na boca do grande  amor (Acho que se chamava Alfredo) e eu me levantei.
Antes de sair ainda vi o brinde com o vinho da idade da despedida, marcando o reencontro.
Fui embora guardando essa história.
Pelo menos sei que teve final feliz.
Tarde.
Mas feliz...



4 comentários:

Silvestre Tavares Gonçalves disse...

Bravo!

Beto Duarte disse...

Obrigado, Silvestre!!!
Saudades de você!
Abraços
Beto

Unknown disse...

Gostei!!! Diferente dos outros.

Unknown disse...

boas histórias têm começo, meio e fim, mas as melhores
nunca acabam. Se acabou não era assim tão boa, né?
Que pena... beijim

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