quarta-feira, julho 15, 2015

A maldição das travessuras da menina má - Conto



Com o sangue italiano queimando nas veias, Pietro entrou no voo da Alitalia com destino a Nova Iorque, com o livro em baixo do braço.
O romance, As travessuras da menina má, do genial Mario Vargas Llosa era o céu e o inferno pra ele.
Primeiro porque tinha adorado a leitura.
Depois porque o tal livro entrou na vida dele.
Parecia uma maldição.
Ele resolveu reler a história para encontrar uma forma de sair da ficção e reconquistar a realidade.
A história do amor de Ricardo Somocurcio pela malvada Otília era quase uma biografia para Pietro.
Ricardito havia sofrido todo tipo de humilhação por parte de Lily (Otília).
Parecia que Pietro via o rosto de Donatella.
Ela era uma jovem e promissora produtora de vinhos no Piemonte e ele um toscano que negociava os melhores rótulos da "bota" pelo mundo afora.
Ela 1 metro e 65, olhos verdes, corpo bem distribuído e um olhar que era capaz de virar o rosto daqueles guardinhas ridículos da Inglaterra.
Pietro era Pietro, mais pra alto que pra baixo, mais pra jovem que pra velho, mais pra irresistível que para insignificante.
O livro esquentava e a cabeça de Pietro também.
Uma boa taça de vinho, mais uma, mais uma...

A realidade de Pietro era a montanha russa que Donatella fazia da cabeça dele.
Era dispensado a cada semana.
Não sabia o motivo de nada, mas levava um pé na bunda por semana.
Donatella estava incomunicável.
Covardemente tinha cortado todos os canais de comunicação, como se estivesse na idade média.

O livro caminhava rápido.
Tão rápido que a história parecia diferente.
Lily era tão doce e bem resolvida que Ricardito era só felicidade.
As fugas e traições de Lily se transformaram em fidelidade e cumplicidade.
O livro passou a ter imagens.
Aos poucos o rosto de Ricardito era o de Pietro.
O rosto de Lily era o de Donatella.
A história de humilhação e sofrimento se transformava num romance de começo meio e final feliz.
Até sem graça.
Era tão real que Pietro nem precisava virar a página.
Tudo vinha como num passe de mágica...
-Sveglia...Sveglia...
O avião vazio e a ducha de água fria da realidade fizeram correr lágrimas dos olhos de Pietro.
O livro não tinha saído das primeiras páginas.
O sonho não saía da cabeça de Pietro.
Colocou os óculos escuros e saiu rápido.
Talvez, assim como Ricardito, esteja pronto para aceitar Donatella de volta.
Talvez a maldição do livro tenha ido embora, mas mesmo que tenha ficado, agora Pietro sabe que na vida é indispensável sonhar...


Nenhum comentário:

Carta Aberta da Vinícola Aurora

Carta aberta da Vinícola Aurora à sociedade brasileira   No início do século passado, algumas famílias italianas cruzaram o Atlântico à pr...