sexta-feira, janeiro 10, 2014

Entre Tulipas e Brunellos Tinha o Ciúme... - Conto




Peter pegou os tempos das cartas, do telegrama, depois o fax, e-mail, celular, Skype, redes sociais...
Das cartas, sempre bem escritas e cheias de ansiedade que enchiam a geração de romantismo e esperança aos e-mails e chats que criaram palavras e abreviaram tudo.
Até o mundo ficou abreviado.
Peter cultivava tulipas, na Holanda é claro.
Rafaela vinhos, na Toscana.
Os dois se conheceram nas férias de Peter, 50.
Rafaela, 35.
Ele passeou pelas vinícolas como todo mundo faz, se apaixonou como acontece normalmente e até o que não é tão frequente assim, se apaixonou perdidamente.
Aí vieram as cartas, ou melhor, as mensagens, o telefone que ficou bem mais barato que antigamente e os sonhos...
Sonhos, juras de amor, prazer...
Até as passagens de trem e avião ficaram mais baratas.
Peter vivia a paixão com direito a fidelidade e respeito.
Mas um dia escorregou numa conversa picante numa rede social e foi apanhado por Rafaela.
Rafaela não conseguia vencer o ciúme.
E olha que Peter não tinha nada demais.
Não era nenhum James Dean ou Leonardo di Caprio.
Ela passou um tempo na Holanda, justamente quando fuçando e-mails e faces da vida, encontrou o deslize de Peter.
Não suportou.
Voltou pra Itália, que convenhamos, não é muito fácil ficar longe da Toscana.
Tentou virar a página.
Faziam viagens de um ponto a outro, se encontravam.
Dias felizes, planos, alegria...
Nem sempre.
Aquela história voltava sempre ao assunto e isso terminava em pequenas e breves separações.
Mesmo assim Peter sofria muito.
Foi um pesadelo para os dois.
Até um perfil falso em uma rede social Rafaela criou.
Desde o primeiro dia, Peter contou que havia um perfil falso lhe provocando.
Disse que descobriria.
Descobriu que era ela.
Nem assim ela acreditou.
Nem as brigas, nem as tempestades, nem a distância, nem nada era capaz de interromper o sentimento.
As tulipas chegavam quase diariamente.
Uma garrafa de Brunello fazia o caminho inverso.
Os dois planejaram várias vezes tentar de novo.
Com data marcada e tudo.
Mas quando chegava perto do dia do reencontro definitivo, o ciúme e o passado voltavam como uma sombra.
Como uma carta que chegasse de tempos em tempos com o mesmo conteúdo.
As discussões eram idênticas, sempre!
Nem criatividade tínham.
Sempre dava errado.
As tulipas continuavam chegando, os vinhos também.
Foi mais de um ano entre Skype, Facebook, telefonemas, visitas rápidas e a decisão:
-Estou indo Peter!
Os sonhos viraram planos, os pesadelos viraram sonhos.
Mas...
Um dia quente, céu azul, sol, nada a ver com más notícias.
O carteiro chegou com cara boa, tudo parecia bem.
Mas o pesadelo veio como no passado, em carta:
"É doentio. Vou me curar de tudo. Fica com alguém que te faça bem, eu não consigo.
Não esqueço o que fez, não confio que tenha parado.
É muito vaidoso, gosta que te procurem, te elogiem...
Vi como se apresenta para as mulheres, li as cartas...
Mesmo uma vez que me passei por outra...
Vi o quanto é vaidoso e gosta disso tudo.
Não posso, não suporto, não quero.
Peter, a nossa vida se cruzou. Muitas coisas boas, aprendizados.
Também uma carga de desconfiança bem ruim.
Espero que esta carga sirva de algo, que me dê forças, para fazer algo para mim mesma, sem "precisar" de mais ninguém.
Preciso ficar sozinha, até que consiga confiar em alguém outra vez, ou me enganar outra vez...
Põe tua vida em prática e seja feliz..."


2 comentários:

Anônimo disse...

O Problema esta na pequena criatura que nao consegue conviver com o lado mais naturalmente humano... Lealdade é o que é, o bem maior; o lema! Mas fidelidade é... ilusão. Atraso cult da moça caipira.
É filosofal, cerebral, necessita no minimo ser. A desconfiança através da ilusão do infiel é furada. Ele foi muito fiel ao que é. Aceite quem for mais.

Beto Duarte disse...

Obrigado pelo comentário. Fico feliz que o conto tenha provocado essa reflexão.
Abraços
Beto

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