segunda-feira, novembro 26, 2012

O dia do "Fico" de Pierre



Pierre era como uma pedra mesmo. 
Não demonstrava nenhuma emoção.
Subia e descia aqueles vinhedos como se estivesse atravessando a rua.
Tinha os olhos fundos, verdes, vivos.
Era um cara de poucos, mas verdadeiros amigos.
Trabalhou naquele ano como se fosse o último.
Pensava seriamente em se aposentar, mas não imaginava o que aqueles vinhedos significavam pra ele.
Podou, tirou folhas, amarrou galhos e colheu, colocou nos tanques, mexeu, amassou, remexeu...
Disse que ficaria até que o vinho ficasse pronto e foi aí que a história emperrou.
Vinhos fantásticos com um envelhecimento lento, prontos para engarrafar, mas...
Ele não engarrafava.
Os donos da vinícola ja tinham até o enólogo substituto, já tinham planos de substituição para um funcionário que além de funcionário era a alma da casa.
Mais dois meses e uma prova com um crítico inglês, direto da barrica, mostrou que aquela era a maior safra de todos os tempos.
Hora de engarrafar?
Nada disso.
Era o medo de deixar tudo pra trás e trocar uma vida por outra que não deixavam Pierre tomar uma atitude.
Acontece que a reputação de Pierre era a prova de qualquer contestação.
Foram mais 3 meses e aqueles franceses da Borgonha já estavam mais para espanhóis do Duero que qualquer outra coisa.
Os vinhos seguiram nas barricas e mais uma prova com especialistas deixou os donos da vinícola com um sorriso de orelha a orelha.
Nada de engarrafar.
Dois anos depois da colheita veio a ordem: engarrafem!
Os donos já não viam a hora de vender aqueles vinhos e quando a última garrafa recebeu o rótulo, Pierre pegou uma caixa de vinho, deu um breve abraço nos donos da vinícola e foi embora.
Em dois dias aquela caixa de vinhos tinha acabado e Pierre não sabia mais o que fazer.
Andava de um lado pro outro pensando em uvas, galhos, folhas, tanques e barricas.
Os donos não cansavam de telefonar.
O golpe final veio quando uma revista internacional deu incríveis 100 pontos ao vinho.
Com lágrima nos olhos, Bertrand correu para a casa de Pierre e deu um longo abraço no amigo funcionário.
Depois de mais umas taças, lembranças e até  lágrimas, Pierre disse que ficaria mais um ano.
Pelo jeito, ano que vem tem mais...


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