segunda-feira, dezembro 05, 2011

Concurso Sud de France - Um mergulho no Languedoc-Roussillon

Não, infelizmente não é um mergulho no Mar Mediterrâneo que banha algumas das praias mais lindas do planeta justamente no Languedoc. Para juntar praia e vinho poderia escolher Banyuls-sur-Mer e provar depois da praia, o melhor companheiro do chocolate, na fonte.
O Banyuls é elaborado com as uvas tradicionais do Languedoc: Grenache Noir, Grenache Gris, Grenache Blanc e Carignan. Mais raramente com Macabeu, Muscat e Malvoisie.
No caso do Banyuls, as uvas são cultivadas em terraços, próximo ao mar. Mais um vinho para integrar uma região com tantas appellations e tantas variedades e estilos diferentes.
Sabe aquela música que diz que a língua é minha pátria? Pois é, o nome Langue d'Oc vem justamente do idioma falado na região - Langue=Língua, Oc = Occitane. Para complicar um pouco mais: lenga d'òc, em occitano.
O idioma Ocitane é de origem latina e é falado na região desde o século 10, sobreviveu à obrigatoriedade do Francês no final do século 19 e está vivo até os dias de hoje graças à personalidade desse povo.
Gregos, romanos, beneditinos e cátaros fizeram parte dessa história.
No século 12 os Cátaros foram considerados os piores hereges da época por causa do jeito peculiar dos habitantes que se negavam a falar francês.
O Languedoc pode se gabar de ser o berço do primeiro homem europeu.
Homem de Tautavel, vivia por lá e os restos mortais foram encontrados numa gruta do Languedoc. É considerado o mais antigo habitante do continente.
O Papa Urbano V também nasceu no Languedoc para provar que o povo não tinha nada de herege.
Santo Urbano deve estar abençoando as terras cobertas de histórias, gastronomia e vinhedos.
É terra de gente criativa, alegre, muitas vezes polêmica.
O impressionista Frédéric Bazille mostrou um pouco do Languedoc em suas obras, como neste quadro chamado Reunião de Família. Bazille nasceu em Montpelier e defendeu o impressionismo que na época era audácia pura.
Os Vinhedos chegaram com os gregos e o vinho produzido na época era com uvas passificadas, que secavam ao sol e muitas vezes era acrescentado mel antes da prensagem.
Os romanos continuaram cultivando os vinhedos.
Hoje o Languedoc Roussillon é a região que mais produz vinhos na França.
É a região mais importante na produção de vinhos de agricultura biológica e biodinâmicos de todo o mundo.
De forma geral a região é bastante ensolarada e permite boa maturação das uvas. Falando em uvas, as variedades do Languedoc são como um remédio anti monotonia. Carignan, Cinsault, Grenache, Mourvèdre, Syrah, Bourbolenc, Grenache Blanc, Maccabeu, Marsanne, Muscat, Piquepoul, Roussanne e Vermentino. Com tantas variedade, clima perfeito, vinhedos a perder de vista, o pioneirismo é marca do Languedoc. O primeiro espumante do mundo que fez a fama de Don Perignon na Champagne, foi na verdade criado bem longe dalí. Justamente no Languedoc.
A Blanquette de Limoux foi criada em 1531 na abadia beneditina de Saint-Hilaire, perto de Limoux. Dizem até que Don Perignon conheceu a Blanquette antes de elaborar a Champagne. Não diga isso na Champagne, eles podem não gostar. A variedade de estilos de vinho no Languedoc é uma coisa impressinante. Vinhos que precisam se esforçar para harmonizar com a riqueza gastronômica da região, onde o Cassoulet é motivo de disputa entre as cidades. Todo mundo diz que faz o melhor Cassoulet. A disputa mais forte fica entre Carcassonne, Toulouse e Castelnaudary. A última deve mesmo se vangloriar.
A lenda diz que durante o cerco a Castelnaudary, durante a guerra dos 100 anos, entre 1337 e 1453, os cozinheiros prepararam o prato de feijão branco e carnes diversas para dar força aos defensores da cidade.
Após a refeição bem regada a vinho da região, os inglêses tiveram que fugir da força dos combatentes bem alimentados. Existem outras histórias para o prato, mas eu prefiro essa e ponto final. Esse papo me deu fome, mas eu estou preparado. Ja comprei alguns pedaços de confit de pato, saucisse de toulouse, carne de porco, cordeiro, feijão... O Cassoulet já está na panela e vou harmonizar com 3 vinhos do Languedoc, de 2 appellations diferentes, 1 Fitou e 2 Saint-Chinian. Aliás não faltam appellations no Languedoc, aqui mesmo no blog já listei as AOCs: http://papodevinho.blogspot.com/2011/07/appellations-francesas-por-regiao_14html Aí está o Cassoulet, no idioma local: Caçolet
Com o Cassoulet na mesa vamos apresentar os vinhos: Les Travers de Marceau 2007 - Domaine Rimbert - AOC Saint Chinian - Importadora De la Croix - Preço 58 reais, Cuvée des Ardoises Ch. des Erles 2008 - Domaine François Lurton - AOC Fitou - Importadora Zahil - 80 reais, Une et Mille Nuits 2007 - Ch. Canet-Valette - AOC Saint Chinian - Importadora Cave jado - 101 reais.
Agora é saber qual vinho vai harmonizar melhor com o prato. Os três vinhos mostraram qualidade.
O Une et Mille Nuits é um vinho orgânico, que utiliza no corte 5 variedades típicas do Languedoc: Grenache, Carignan, Syrah, Mourvèdre e Cinsault. No nariz as frutas negras se misturam a especiarias como cravo, baunilha e flores do campo. Na boca o vinho é encorpado, taninos macios, notas de especiarias e alcaçuz no retrogosto. Final longo. O Château des Erles Cuvée des Ardoises é um AOC Fitou com a assinatura da familia de François Lurton. Corte de Syrah, Grenache e Carignan. A Carignan é vinificada com maceração carbônica, uma técnica que dá um frescor especial ao vinho. As uvas são colhidas durante a noite. A cor é bastante profunda. No nariz amora, morango, ameixa, louro, tomilho, alecrim e canela. Na boca é refrescante, tem corpo médio para encorpado, tem um equilíbrio perfeito e maciez. O final é longo e refrescante com um toque de banana. Muito bom. O Domaine Rimbert, outro da AOC Saint Chinian me impressionou. Na Relação preço/qualidade principalmente, 58 reais! O corte é de 40% Carignan, 30% Syrah e 30% Cinsault. O suco da uva é fermentado com leveduras indígenas, para mostrar o aroma do terroir. Passa 12 meses em barrica. No nariz cassis, groselha, canela, cravo, tabaco e louro. Na boca é fresco, corpo médio para encorpado, equilibrado, macio e elegante. Final longo com leve toque de alcaçuz. Muito bom. Na harmonização a briga ficou entre o Fitou, Cuvée des Ardoises e o Domaine Rimbert. O Une et Mille Nuits é um vinho um pouco mais sério e passou por cima do prato. Portanto, o Domaine Rimbert e o Cuvée des Ardoises se revezaram e me acompanharam no Cassoulet até o final. O Une et Mille Nuits tomei no dia seguinte, sem nenhum prato e ele estava muito bom.
Mesmo que não tenha sido um mergulho numa praia ensolarada do Languedoc, esse mergulho me lembrou dos aromas, do vento magistrau (mistral), das paisagens incríveis, das ruas de Carcassonne, do som occitane, da pronúncia com o "R" balançando a língua quando falam francês... Pensar que tudo isso é só um pedaço muito pequeno dessa terra mágica. Foi uma busca a uma parte do Languedoc Roussillon, claro que tem muito mais, mas como diria o grande poeta Paul Valery, também filho do Languedoc:
"O homem é absurdo por aquilo que busca, grande por aquilo que encontra."

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