quinta-feira, março 27, 2014

Carlos Queria ser 2...3... - Conto



Carlos não para. 
Gosta disso. 
Os quarenta e poucos anos não pesam.
Nos vinhedos faz tudo, no escritório faz tudo e ainda encontra tempo para namorar.
No final de Agosto de 2005, a colheita no Duero foi boa. 

Carlos não dizia não para nenhum compromisso. 
Aceitava participar de degustações, promovia encontros para mostrar seus vinhos e ainda namorava com a bela Carmen.
Uma morena de olhos castanhos, 1 metro e 70 de altura e 70 quilos bem distribuídos. 

O sorriso de Carmen e a risada, o sotaque andaluz, o senso de humor e inteligência transformavam aquela morena na garota mais sensual do Pueblo. E Carlos tinha pouco tempo pra ela. 
Fazia o possível e o impossível, mas não conseguia. 
O mesmo fazia com os vinhedos e o resultado não era ruim.
Os vinhos eram bons!
Numa Segunda-feira, aniversário de Carmen, marcou uma reunião com importadores, uma pequena viagem na região, um encontro com um enólogo bordalês e claro, um jantar com Carmen.
Tudo aconteceu numa velocidade incrível. 

O dia era extremamente curto para Carlos. 
O jantar com Carmen aconteceu no horário previsto, mas a cabeça de Carlos estava a mil por hora.
Na Terça chegou tarde em casa, na Quarta Também e na Quinta nem chegou. Sexta-feira Carmen sumiu do mapa e Carlos ficou apavorado.
Procurou na casa da sogra, na casa de amigas, até pegar o carro e ir para Sevilla.
Tudo ficou pra trás. 

Os vinhedos, os encontros com importadores e os compromissos urgentes que irritavam Carmen.
Quando chegou viu a morena sentada, olhando para o Guadalquivir acompanhada de um amigo de infância. 

Se aproximou e pediu licença ao amigo.
Carmen falou da sua solidão, da saudade de casa e da decisão de voltar.
Carlos ficou transtornado, mas percebia pela primeira vez o que havia feito nos últimos 3 anos.
O choro da morena e os lamentos de Carlos invadiram a madrugada. 

No dia seguinte ligou para a bodega e tudo seguia normalmente. 
Sem ele.
Telefonou para Carmen e ela estava decidida, não voltaria mais.
Voltou para Burgos em prantos.

Olhar jovem e feliz se transformou em apenas um dia. 
Agora Carlos tem olheiras profundas, não trabalha tanto, o vinho continua bom, mas a bela Carmen não aguentou. 
Casou com o amigo de infância.
-Carlos queria ser 2, 3 e para mim não conseguiu ser 1...

Sobre filmes famosos - Sem Reservas - Por: Wania Westphal




O cineasta Scott Hicks, australiano nascido circunstancialmente na África em 1953 , é um apaixonado pelos bons vinhos e pela gastronomia.



Ele mesmo é proprietário de uma vinícola (Yacca Paddock Vineyard, na Península Fleurieu) em Adelaide, na Austrália. Depois de mais de trinta anos de carreira atrás das telas decidiu homenagear o universo gourmet. E escolheu um time de primeira para mostrar que há vida além das cozinhas dos bons chefs em Sem Reservas – No Reservation, de 2007.



Antes de trabalhar com a adaptação do roteiro original Mostly Martha, da colega alemã Sandra Nettlebeck, Hicks passou seis anos longe do cinema. Foi um período particularmente  sabático, em que se dedicou à produção de seus vinhos enquanto fazia alguns trabalhos em comerciais de TV e curtia  sua mulher e os dois filhos.
O diretor de  Shine (de 1996, que entre outros prêmios valeu ao australiano  Geofrey Rush o Oscar de melhor ator de 1997 pela atuação como o ‘brilhante’ pianista David Hellgott) juntou elementos interessantes, além de um casal belíssimo para protagonizar sua história.



Primeiro a (não tão) mocinha, a britânica Catherine Zeta-Jones que interpreta uma reconhecidamente  talentosa e intempestiva chef que comanda a cozinha do 22 Bleecker, em Manhattan. Monotemática, usa as sessões da psicoterapia - que foi obrigada a fazer por ordem da proprietária do restaurante - para falar de suas receitas, experimentações e savoir faire. Não tem filhos, não namora, vive sozinha e aparentemente não faz outra coisa da vida a não ser cozinhar , antes e depois de chegar em seu apartamento silencioso e encontrar zero recados na secretária eletrônica.



O ambiente muda muito quando Kate entra no espaço que escolheu para ser seu melhor habitat. Na que ela chama o tempo todo de “minha cozinha” , os assistentes e sub chefs não param um segundo nem podem descuidar de nenhum detalhe, tamanho o domínio que a chef tem sobre cada um dos aproximadamente 110 pratos servidos a cada jantar. E a tarefa começa muito antes, porque é ela pessoalmente quem conversa com os fornecedores, pouco depois das 4h30 da manhã (quando levanta da cama), escolhe os peixes e crustáceos num mercado ao pé da Ponte do Brooklin. Curiosamente, esse é um dos poucos lugares em que Kate se mostra simpática - com os peixeiros, para conseguir o melhor produto para os pratos que vai servir à noite.
Dia desses, a irmã de Kate, mãe solteira de uma garotinha de 9 anos, telefona para avisar que ambas estavam chegando para uma visita. A partir daí, a vida da chef  sofre uma reviravolta: cabe a ela a guarda da sobrinha (Abigail Breslin, de Sinais e Pequena Miss Sunshine) que, ao contrário da mãe, sobreviveu ao grave acidente de carro que ambas sofreram no caminho.
O impacto emocional é forte, e nesse momento o filme entra num ritmo perigoso  porque deixa de lado a sugestão uma simpática comédia romântica para se transformar num drama emocional doloroso, de uma Kate ainda mais deprimida, com a perda da única irmã, e da pequena Zoe que não só perdera a mãe alegre, jovial, apaixonada e alto astral – que deu à filha um nome que significa vida, no grego  - como  teria de passar os próximos anos ao lado de uma tia obstinada pelo trabalho que, a rigor, mal conhecia.



Boa hora para a chegada do galã Aaron Eckhart (o motoqueiro cabeludo de Erin Brockovich) , que interpreta Nick, um chef assistente contratado às pressas para dar conta da demanda na cozinha de Kate enquanto ela é obrigada pela patroa a tirar uma licença durante uma semana. É do americano Nick , com sua orientação italianesca – oriunda da ‘escola’ que ele cursou ao se mudar para Milão apaixonado por una bella regazza – o talento para convencer a pequena Zoe a experimentar uma pasta ao sugo com toques de manjericão.



“Você sabia que na Roma Antiga os jovens mascavam manjericão para combater o mau hálito?” A mentirinha não cola, mas quebra a resistência da garotinha, que devora o tagliarini como se fosse um copo d’água no meio do deserto depois de alguns dias praticamente em jejum diante da alta gastronomia da tia, na primeira semana em sua nova casa.
Não demora muito para a menina atuar na aproximação entre o novo amigo Nick e a tia Kate que, apesar do empenho para ser bacana, não passava de uma chata. Em meio ao nascedouro desse embrião de romance, surge também o ciúme profissional, uma vez que Nick, além de talentoso, é muito mais carismático e bem visto pelos subalternos que a chefe titular.
Entre uma situação e outra, são mostradas algumas dicas preciosas, como a escolha das trufas brancas adquiridas no mercado negro pela bagatela de $ 4.4 mil por quilo – seja lá o que isso signifique. Ou a inclinação do maçarico aceso em direção à sobremesa de natas que se transforma dez segundos depois num delicioso creme brulée. Sem falar no ingrediente secreto usado por Kate e que fez dela a responsável pelo melhor molho de açafrão de toda Nova York.



Um ponto alto de Sem Reservas é a música. Na mesma época em que rodava o filme, o diretor Scott Hicks mantinha uma estreita relação com o protagonista do documentário realizado também em 2007, Glass: A Portrait of Philip In Twelve Parts. Por isso, é o músico norte-americano Philip Glass, um dos mais influentes de sua geração, quem responde pela escolha da trilha sonora da fita. Lidiamo, da Traviata de Giusepe Verdi; Um Bel di Vendremo, ária de Madame Butterfly, de Giacomo Puccini; Via Com Me, de Paolo Conte, e uma das mais tocantes árias de Turandot de Giacomo Puccini , a Nessun Dorma, na voz de Luciano Pavarotti, são alguns exemplos do que se ouve ao longo dos 104 minutos do filme.



No mais, são citados Alain Passard, do três estrelas  L’Arpege, de París, e um hábito excêntrico  de arremessar pratos em aprendizes, além de um Dolcetto 2002 que parecia ser do Piemonte, mas era mesmo das colinas de Adelaide - num elogio sutil aos vinhos do Novo Mundo que o diretor tanto aprecia. Está longe de ser um grande filme, mas é bem cuidado, tem um apelo emocional significativo, uma excelente soundtrack e um final feliz. É um filme  razoável, para assistir sem reservas. E, de quebra, conhecer os três segredos da cozinha francesa que são revelados numa conversinha romântica entre Kate e Nick...


Carta Aberta da Vinícola Aurora

Carta aberta da Vinícola Aurora à sociedade brasileira   No início do século passado, algumas famílias italianas cruzaram o Atlântico à pr...